Este texto foi escrito por Inácio Bianchi e estava salvo como rascunho aqui no blog, por algum motivo não foi publicado, então resolvi publicar na íntegra o texto que ele escreveu na época.
Esta matéria pretende apresentar ao leitor, que ainda não conhece, local de prática de escalada esportiva em rocha do estado de São Paulo, a Falésia Paraíso, localizada em Pindamonhangaba, no vale do Paraíba, próxima à rodovia Presidente Dutra, a aproximadamente 150 km da capital, e também apresentar uma breve história envolvendo a sua descoberta e conquista.
Quando comecei a escalar, conheci a falésia do Zé Vermelho e falei para um dos seus conquistadores, Paulo Menezes: Paulão, isso aqui é o paraíso. Ele profeticamente retrucou: Não o paraíso é outro lugar, perto daqui, você vai ver véio! Não muito tempo depois, fui lá com ele e outros escalar nas rochas do seu Cota, de onde avistamos o que hoje chamamos de Falésia Paraíso, naquela época o acesso à ela era proibido e já haviam conquistadas duas ou três vias antes da proibição.
Aprendendo a conquistar.
Comecei escalar com o Fernando Barros, e sua queda para conquistar vias despertou o mesmo em mim, e ela se intensificou depois que conheci o Cláudio Medeiros e o Paulão. Com Fernando, sob a orientação do mestre Marcelo Medeiros e Alexandre Conde, ex-aluno do Eliseu Frechou, experientes escaladores e conquistadores, com talhadeira manual, e Ps ambos feitos por mim mesmo, abri a primeira via de escalada (Hematófagos, VI+ com 25m, 13 Ps) na Pedreira Itaguaçú em Aparecida, onde, conquistei mais quatro outras, adquirindo uma boa experiência. Cláudio e Paulão já eram muito mais experientes, basta citar que os dois conquistaram praticamente todas as vias da falésia do Zé Vermelho.
Falésia dos Viciados – a primeira decepção.
Quando completei dois anos e meio de escalada, após ter visitado uma falésia em Guaratinguetá (Falésia dos Viciados), com a permissão de um de seus proprietários, com Fernando, convidei Paulão e Cláudio para “enchermos” a falésia de vias esportivas e clássicas. Os dois toparam no ato e em pouco tempo eu, eles, Fernando, e outros colaboradores, usando talhadeiras manuais e grampos P de fabricação própria do grupo, conquistamos umas 15 vias em aproximadamente 6 meses de árduo, porém divertido, trabalho. Havíamos combinado que liberaríamos a falésia ao público quando tivéssemos 20 vias prontas, cujos croquis seriam disponibilizados juntamente com as regras de uso. Faltavam finalizar 3 e conquistar mais 5 vias, o que não demoraria muito, foi quando tivemos a nossa primeira grande decepção com este esporte, o mesmo proprietário das terras, que antes nos houvera permitido, simplesmente chegou para nós em um dos dias em que subiríamos com os equipamentos e disse: Nós não queremos que vocês vão mais à pedra. Subam hoje, retirem seus pertences e jamais voltem. Perguntei se nós ou algum outro escalador haviam feito alguma coisa que os proprietários considerassem errado. Ele disse que não, o problema era a nossa presença que assustava as vacas, e por isso não era para ninguém mais subir à falésia. Fiquei muito deprimido e com raiva, mas a terra é deles e assim sendo obedecemos. Tentamos várias vezes conversar, negociar etc, mas foi em vão. Nunca mais voltamos lá. Confesso ter uma enorme vontade de voltar. Quem sabe um dia possamos?
Falésia do Pesqueiro – a segunda decepção.
Imediatamente, apontamos nossas talhadeiras para outra falésia, a Falésia do Pesqueiro, que fica no Ribeirão Grande em Pindamonhangaba, próximo à Paraíso. Infelizmente alguns companheiros de conquistas não suportaram a dolorosa decepção da falésia anterior e desanimaram, mas eu, Paulão e Cláudio fomos conversar com a dona do pesqueiro de trutas do Ribeirão Grande, parente dos proprietários das terras onde está a falésia. Após fixar algumas restrições de uso, ela permitiu-nos fazer as conquistas, que iniciamos no final de 2009 animados com o apoio da sempre presente da dona do pesqueiro, uma das regras era pedir permissão toda vez que subíssemos. Nesta etapa o Ricardo Reis e o Carlos Camilo juntaram-se a nós e com eles compramos uma furadeira de 36V, diga-se de passagem, muito boa, que foi fundamental. Mal começamos a usar a furadeira e já estávamos com umas 5 vias prontas quando então veio a segunda decepção. A dona do pesqueiro, proibiu-nos de continuar o trabalho que antes era incentivado. Ela disse que era por motivos familiares e seria apenas temporariamente, mas novamente para nós tudo ruiu.
Finalmente o Paraíso.
Naquele mesmo dia, que eu não estava presente, Cláudio e Paulão subiram à falésia do pesqueiro, retiraram todas as coisas e resolveram ir à Paraíso, que até então estivera fechada por muito tempo. Eu nem sabia o que ocorrera, quando Paulão ligou, contou da proibição do Pesqueiro e disse: Essa última proibição foi a melhor coisa que nos aconteceu, pois, lembra do Paraíso? Fui com Cláudio dar uma volta por lá, encontramos Marcão, dono da terra que dá o acesso, e ele disse que agora não está mais arrendada e está liberada, entramos no local e piramos. Prepare-se para conhecer a falésia que faz juz ao nome. Após ouvir o empolgado relato do Paulão tomamos a decisão de investir lá, e no fim de semana seguinte, fomos com a furadeira, os Ps etc, iniciando um frenético trabalho, que nos fins de semanas e feriados de 4 meses, deixou um saldo de 30 vias que vão desde V à possíveis IX ou X graus.
Os setores e as vias.
O primeiro setor em que investimos foi o setor Visual, que tem este nome por proporcionar um belo visual de sua base. Neste setor situam-se as vias mais curtas e as mais longas conquistadas até agora. Um destaque se dá para vias nomeadas em homenagens às “Patroas” que estiveram no pico logo no início das conquistas, são elas: Denise em Crise, Heloísa na Brisa e Renata Ingrata, as duas primeiras, as mais fáceis, V+, são as mais frequentadas. Outro destaque é a via Chang Wei, nomeada assim em homenagem à Chang, protagonista do triste fato que todos conhecemos e comentávamos no dia em que conquistamos a via, é um dos mais belos VIsup que já escalei, com um balcão fantástico no final, e vale a pena ser sempre repetido.
O setor buracos recebe o nome por causa óbvia. Destaca-se uma linda via chamada Tiradentes, VIIb, que começa de forma técnica, passa por umas caverninhas contendo água, por um tetinho onde está o crux que termina em uma pinça que parece ser artificial.
O setor Cânion, nome também óbvio, possui até agora as vias mais duras, suas raras “fáceis” já encadenadas são a Rolling Stones VIIb, via muito técnica, e a Chaminé 4x4, outro belo VI+ que rivaliza em beleza com a Chang Wei. Vale ainda falar da via Bolacha Maria composta de muitas formas diferentes de agarras, partes negativas, com pouco descanso, exigindo ao mesmo tempo técnica e força.
O setor Boas Vindas, por estar na chegada, possui as primeiras vias conquistadas do pico antes das sua proibição: Marimbondos Defumados, VI+ mista, e a Cinturão Galático V+ com esticão no final. Destacam-se neste setor duas vias, a Dá no Ninho que trata-se de um VIIb de resistência. Seu início não é óbvio, tem um crux com regletes em um tetinho, finalizando em uma sequência de regletes bons, mas que pegam pelo cansaço, e a Aresta Arisca, graduada em VIIIa, constituindo de um pilar que se transforma em um teto com boas agarras, porém com movimentos não óbvios que requer uma boa resistência.
Outros setores, e o que fazer para que o pico não seja novamente fechado.
Existem vários outros setores a serem explorados e que com certeza reservam muitas surpresas agradáveis. Acreditamos que esta falésia tenha um potencial para comportar no mínimo 150 vias, restando-nos ainda muito trabalho e investimento. A falésia possui setores distribuídos em terras com diferentes proprietários, e isso reforça um dilema que nos assombra mais intensamente à medida em que trabalhamos: Como garantir que tanto investimento e uma excelente opção de lazer para a acanhada comunidade de escaladores não seja mais uma vez fechada pelos proprietários? À medida em que conversávamos com o Marcão durante as subidas e descidas à falésia, uma possível resposta a este dilema surgiu ao propormos a ele que todos que lá fossem para escalar deveriam pagar uma taxa diária, que fixamos em R$ 5,00. Inicialmente ele se recusou qualquer dinheiro, disse que era um prazer receber-nos lá, mas insistimos, até que ele, sabendo que o Renato, zeloso dono da maioria das terras onde se encontram os setores da rocha, estava preocupado com a nossa presença, resolveu oferecer-lhe a metade do que arrecadasse. Assim foi feito e ele nos comunicou que o vizinho ficou muito feliz ao receber, mesmo que fosse pouco dinheiro, e que agora nós éramos bem vindos por ele também. Assim, a solução do dilema está, em parte, garantir que os proprietários tenham algum ressarcimento ao aborrecimento que a nossa presença em suas propriedades possa causar, e também, garantir que as regras de limpeza, respeito, segurança, silêncio, ética, etc sejam respeitadas no local. Nada mais justo. Claro que isso não garante que tenhamos para sempre a disponibilidade do local, mas com certeza, minimiza muito a probabilidade de uma nova proibição. Talvez este seja o caminho para reabrirmos os outros picos que foram fechados. Até agora os que foram lá contribuíram e fizeram com que a coisa começasse com o pé direito, tomara que continue assim.